quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Caminhos Antigos VIII

Divisão política marca a Mogi de 1932



A história oficial nos apresenta o 9 de julho de 1932 como uma luta pela autonomia e constitucionalização do país (daí o nome revolução constitucionalista) ou o Estado de São Paulo unido sem diferenças de classes ou partidos, mas estas são explicações simplistas em vista da complexidade do episódio.
Para procurar entender o que ocorreu em 1932 devemos voltar a 1930 e a revolução que conduziu Getúlio Vargas à presidência, apeando do poder os antigos grupos políticos da Primeira República 1889-1930 (em São Paulo, principalmente os cafeicultores), que perderam autonomia, cargos, privilégios e empregos, em todas as esferas de governo.
Em Mogi das Cruzes, vitoriosa a revolução de 30, o jornal “A Vida”, órgão oficial do Partido Republicano Paulista (PRP), dominante durante a Republica Velha, deixa de circular, sendo imediatamente substituído pela publicação de “O Liberal”, ligado ao diretório municipal do Partido Democrático, que dava sustentação em São Paulo, ao governo de Getúlio Vargas.
Com a notícia da vitória da revolução alguns conflitos de rua são registrados e um episódio marcante, dá a ideia das divisões políticas e lutas na cidade, quando a casa do chefe político local, representante do Partido Republicano Paulista, Dr. Deodato Wertheimer, foi invadida, moveis atirados pela janela e depois incendiados.
Com um novo grupo político no poder, ainda em 1930, instalou-se na cidade a Legião Revolucionaria dedicada a concretizar a revolução em São Paulo, tinha como chefe o general Miguel Costa, antigo revolucionário de 1924 e um dos líderes da Coluna Prestes que desafiara o governo federal cruzando o país em 1925-1926 e agora tomava parte efetiva no governo de Getúlio Vargas.
No início de 1931, Miguel Costa esteve na cidade para solidificar a Legião Revolucionária participando de comício na praça Coronel Almeida. Mobilizando populares nos comícios, com um discurso inovador, defendendo novas ideias como a situação do operário e a legislação trabalhista, “combater o latifúndio particular, os trustes e monopólios e a absorção dos patrimônios nacionais pelos estrangeiros.”A Legião cresceria no Estado, tanto na capital como no interior, direcionando seu discurso para os trabalhadores, tentando criar uma base social, estava articulada em todos os distritos do Estado, e alguns relatos mencionavam a existência de cerca de 17 mil legionários, chegando a 300 mil no Estado em outubro de 1931 durante congresso da Legião.
Esses números causaram reação dos grupos que anteriormente detinham o poder (PRP) e mesmo no Partido Democrático (desde a sua fundação em 1926 disputava a hegemonia estadual com o PRP) que apoiara Getúlio Vargas, mas fora afastado da chefia do governo estadual como pretendia.
Em janeiro de 1932 o Partido Democrático rompeu oficialmente com o governo provisório de Getúlio Vargas e em 16 de fevereiro uniu-se ao antigo rival, o Partido Republicano Paulista, formando a Frente Única Paulista, fazendo campanha em defesa da autonomia estadual e da reconstitucionalização, sendo a Frente Única uma das principais articuladoras da Revolução Constitucionalista.
Argumentos de ordem emocional figuravam no manifesto da Frente Única Paulista, com apelos a “união sagrada dos paulistas”, “não deixar espaços para ressentimentos pessoais...” e na campanha pela constitucionalização a História era utilizada no sentido de legitimar as aspirações das classes dirigentes de retornar ao poder, ao invocar o que seriam façanhas históricas dos paulistas na formação do Brasil, como por exemplo, a Independência, o bandeirante desbravador dos sertões, a descoberta do ouro e o café.
Em Mogi das Cruzes o ano de 1932 começou com uma festa comemorativa no final de janeiro, missa no Largo da Matriz, do aniversario da cidade paulista de São Vicente, a primeira cidade do Brasil. Conduzida pela prefeitura, a festa contou com discurso especialmente elaborado para lembrar a fundação desta cidade, tendo este ato a finalidade de lembrar que a primeira cidade do Brasil foi paulista.
Nos meses seguintes a cidade seguia seu cotidiano normal.
Dia 10 de abril de 1932, um domingo, 5 horas da manhã, a procissão da Ressurreição celebrando o Cristo que ressuscitou encerrava a festa do povo, a Semana Santa de 1932.
Aproximava-se o mês de junho e outros devotos faziam os preparativos para a festa de Santo Antônio, que ao realizar se, tinha como característica os festeiros com o nome Antônio e para o ano seguinte haviam sido escolhidos 13 Antônios para preparar a festa.
Não só as associações religiosas que viviam a Semana Santa e a paixão de Cristo, mas os devotos da Santa Cruz, devotos e festeiros de festas religiosas diversas, também compartilhavam o sentimento de paixão traduzido como emoção, sentimento intenso, entusiasmo ou apego por aquilo que tinha um significado pessoal.
Da mesma forma podemos dizer que este ano de 1932 assistia a manifestação das paixões políticas que conduziriam ao movimento armado de julho de 1932, os ânimos se acirravam, e na cidade era palco de disputas e interesses locais a recém estabelecida Associação Operária de Mogi das Cruzes.
Desde a segunda década do século XX que Mogi das Cruzes possuía um crescente número de operários, principalmente na industria têxtil, sendo que na Indústria Mogiana de Tecidos havia 179 operários, além de ferreiro, mecânico ajustador e carpinteiro, divididos em seções como tecelagem, tinturaria, batedores de carda, caldeiras, fiação, oficina mecânica, etc.
Diante desta realidade em 1931, José de Azevedo Jazedo fundou uma associação de pintores e mais tarde uma associação operária com o objetivo de organizar a classe trabalhadora na cidade, ideia igualmente compartilhada pela Legião Revolucionária, como visto anteriormente.
Na verdade a tensão subia desde 23 de maio quando a sede da Legião Revolucionaria/Partido Popular Paulista fora alvo de protestos e ataques em São Paulo, sendo o protesto dissolvido a tiros fazendo quatro vítimas, Martins, Miragaia, Dráuzio e Camargo ou MMDC.
No início de junho o jornal “O Liberal”, comandado por membros do Partido Democrático, antes apoiador de Getúlio Vargas, agora defensor da causa da Frente Única Paulista investe contra a associação operária de Mogi, dizendo“Operários! É com pesar que presenciamos o desvirtuamento da associação...vendo-os enganados por meia duzia de politiqueiros que não se envergonham de vos lançar as ruas como seu instrumento.” Na edição seguinte com a resposta de Jazedo compreendemos porque há a menção ao “desvirtuamento da associação” ou seja como a Legião Revolucionária que se transformara no Partido Popular Paulista, a Associação Operária pretendia transformar-se em partido político, “um único partido, que seria o partido trabalhista, cujo programa em parte orientaria pontos do partido da Legião Revolucionaria... este partido unicamente trabalhista seria fundado em praça pública.” Segundo a historiadora Maria Helena Capelato “A classe operária é a grande ausente no Movimento de 32... ficou ausente na construção da memória de 32”
Em 10 de julho chegam a cidade os primeiros contingentes de soldados que se alojam no 1º grupo escolar. Receando o conflito iminente, algumas famílias deixam a cidade tomando o caminho dos distritos como Taiaçupeba ou paragens detrás da serra.
Os primeiros voluntários seguem para a frente de batalha, o campo de aviação da cidade ganha um hangar, pois o emprego do avião seria a grande novidade da revolução de 32 e Mogi, na rota do Vale do Paraíba poderia auxiliar com seu campo de aviação. Voluntários se apresentam para cuidar dos enfermos e a Campanha do Ouro para o Bem de São Paulo é organizada, na lista de doadores centenas de pessoas, como Leonor de Oliveira, que doa alianças e Joaquim Flaviano de Mello, com sua coleção de moedas históricas de ouro e cobre.
O Departamento de Propaganda Cívica incorporava as imagens como um fator importante no conflito. O mapa do pintor José Wasth Rodrigues, revela com uma riqueza de detalhes, o brazão das cidades que mais contribuiram ao movimento e as principais rotas (terrestres e aéreas), ligando os diversos municípios com a movimentação das tropas nas três principais frentes.
Cria-se uma nova cartografia, uma imagética de redenção, de apelo aos sentimentos. Com a função de mostrar o sistema viário do Estado, um outro mapa apresenta  o território paulista como uma enfermeira, que num misto de olhar altivo e redentor, evoca o valor do sacrifício. É o que provavelmente condiciona Dona Leonor de Oliveira em suas contribuições: em uma de suas peças doadas, le-se:   Fé, Esperança e Caridade.
No final daquele ano de 1932, o jornal "A Plebe", voz dos operários, cobrava as autoridades paulistas sobre a precariedade da assistência médica, dizendo:"para a guerra havia ouro, para os hospitais não".


Para saber mais
ALMEIDA, Ivete Batista S. O olhar de quem faz. São Paulo durante a revolução de 1932. São Paulo:Ed.Expressa, 2001.
BORGES, Vavy Pacheco. Getúlio Vargas e a oligarquia paulista. São Paulo: Brasiliense, 1979.
CAPELATO, Maria Helena. O movimento de 1932 – A causa paulista. São Paulo:Brasiliense,1981.
FUNDAÇÃO FGV: completo acervo de fotos, artigos e monografias, documentos, entrevistas, etc. sobre a ERA VARGAS e o movimento de 1932. Disponível em  http://cpdoc.fgv.br/.


Fonte das imagens:mapas, Acervo cartografico da Biblioteca Nacional
Jornal:Arquivo Histórico de Mogi das Cruzes

Nenhum comentário:

Postar um comentário